terça-feira, 30 de março de 2010

ARMANDO NOGUEIRA


MÉXICO 70

México 70 - E as palavras, eu que vivo delas, onde estão? Onde estão as palavras para contar a vocês e a mim mesmo que tostão está morrendo asfixiado nos braços da multidão em transe? Parece um linchamento: Tostão deitado na grama, cem mãos a saqueá-lo. Levam-lhe a camisa levam-lhe os calções. Sei que é total a alucinação nos quatro cantos do estádio, mas sótenho olhos para a cena insólita: há muito que arrancaram as chuteiras de Tostão. Sófalta, agora, alguém tomar-lhe a sunga azul, derradeira peça sobre o corpo de um semi-deus.
Mas, felizmente, a cautela e o sangue-frio vencem sempre: venceram, com o Brasil, o Mundial de 70, e venceram, também, na hora em que o desvario pretendia deixar Tostão completamente nu aos olhos de cem mil espectadores e de setecentos milhões de telespectadores do mundo inteiro.

E lá se vai Tostão, correndo pelo campo afora, coberto de glórias, coberto de lágrimas, aropelado por uma pequena multidão. Essa gente, que está ali por amor, vai acabar sufocando Tostão. Se a polícia não entra em campopara protegê-lo, coitado dele. Coitado, também de Pelé, pendurado em mil pescoços e com um sobrero imenso, nu da cintura para cima, carregado por todos os lados ao sabor da paixão coletiva.

Parte do texto Méxido 70 de Armando Nogueira que nos deixou com 83 anos de muita sabedoria e elegância com suas crônicas, esportivas e jornalismo com responsabilidade e seriedade.

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